Em decisão recente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia de dois dispositivos da Medida Provisória 927, que flexibiliza algumas regras trabalhistas em razão da pandemia de COVID-19.
O primeiro deles é o artigo 29, que previa que os casos de contaminação por coronavírus não seriam considerados ocupacionais, “exceto mediante comprovação do nexo causal”. O segundo, é o artigo 31, que restringe a atuação dos auditores fiscais do trabalho nesse período de pandemia.
Entendeu o Ministro Alexandre de Moraes (acompanhado pela maioria dos demais ministros) que esses dois dispositivos contrariam a própria finalidade da Medida Provisória, que é e preservação de empregos.
Ao prever que os casos de contaminação por COVID, em regra, não são considerados ocupacionais, a Medida Provisória estaria ofendendo inúmeros profissionais que estão atuando em atividades essenciais e, portanto, expostos ao risco de contágio.
Além disso, ao transferir ao trabalhador o ônus de provar que a doença teria sido adquirida no ambiente de trabalho, a norma estaria impondo ao trabalhador o que o Ministro Luís Roberto Barroso denominou de “prova diabólica”, já que aqueles que adquirem a doença dificilmente poderiam precisar quando e onde isso teria ocorrido.
Seria praticamente inviável a um médico atestar o nexo causal nessas situações e isso poderia afastar o trabalhador da proteção legal estendida aos casos de acidente de trabalho ou doença ocupacional.
A nosso ver, ao contrário do que tem sido noticiado, a decisão que suspende a eficácia do artigo 29 da Medida Provisória, não permite concluir que qualquer trabalhador acometido pela COVID-19 tenha, presumidamente, adquirido doença ocupacional.
É preciso analisar a situação fática – muitos empregados hoje atuam em home office ou em locais e condições em que há efetiva prevenção ao contágio e mínima circulação de pessoas. Outros, por sua vez, atuam em área de altíssimo risco, como área da saúde em geral, cemitérios, transporte público de passageiros.
A decisão do STF, com isso, protege esses trabalhadores que estão mais expostos ao risco (ao não exigir que estes provem, por atestado médico, que adquiriram a doença no local de trabalho) e impõe aos empregadores uma maior cautela na proteção de seus funcionários, já que a falta de oferta de equipamentos de proteção e higiene no ambiente de trabalho pode levar à conclusão de que a doença foi ali adquirida.
Assim, entendemos que a decisão do STF não enquadra todos os casos de contaminação por COVID-19 como doença ocupacional, mas apenas deixa de exigir que o trabalhador que esteve comprovadamente exposto a maior risco (seja em razão da natureza de suas atividades ou pela omissão de cuidados do empregador) produza provas de que a doença foi adquirida no ambiente de trabalho, permitindo, assim, que usufrua de estabilidade no emprego, se atendidas as demais exigências legais.
Por fim, no que se refere ao artigo 31 da Medida Provisória, entenderam os ministros que a atuação dos auditores fiscais do trabalho no momento atual tem sua importância majorada e deve ser exercida.
Fernanda Trocoli - advogada